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terça-feira, 14 de abril de 2020

LEGISLAÇÕES ESTADUAIS COM CRITÉRIOS DISTINTOS PARA A PRODUÇÃO DE TILÁPIA NA REGIÃO HIDROGRÁFICA TOCANTINSARAGUAIA: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS EFEITOS PRÁTICOS.!

LEGISLAÇÕES ESTADUAIS COM CRITÉRIOS DISTINTOS PARA A PRODUÇÃO DE TILÁPIA NA REGIÃO HIDROGRÁFICA TOCANTINSARAGUAIA: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS EFEITOS PRÁTICOS.

                                                                                               Por Marcos Ferreira Brabo*

Um dos maiores tabus quando se trata de aquicultura na Amazônia é a produção de espécies exóticas e seus possíveis impactos ambientais no caso do estabelecimento de populações em corpos hídricos do bioma. Neste cenário, a tilápia-do-Nilo Oreochromis niloticus é sempre o centro das discussões, com os entusiastas prevendo um cenário econômico extremamente favorável a partir da combinação das privilegiadas condições naturais da região com as características zootécnicas e mercadológicas da espécie, enquanto os opositores temem pelo comprometimento da biodiversidade local e até por uma influência negativa na pesca, em termos produtivos ou de rentabilidade. 


Na esfera federal, as principais legislações que tratam sobre o assunto são: a Portaria do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) n° 145 de 29 de outubro de 1998, que estabelece normas para introdução, reintrodução e transferência de peixes, crustáceos, moluscos e macrófitas aquáticas para fins de aquicultura, inclusive com anexos que listam as espécies detectadas por bacia hidrográfica; a Portaria IBAMA n° 27 de 22 de maio de 2003, que altera a redação do anexo II da Portaria n° 145 de 1998; e a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) n° 413 de 26 de julho de 2009, que dispõe sobre o licenciamento ambiental da aquicultura no território brasileiro (BRASIL, 1998; 2003a; 2009).

A Portaria IBAMA n° 145 de 1998, definiu o termo “espécie exótica” em seu Artigo 2° como: “espécie de origem e ocorrência natural somente em águas de outros países, quer tenha ou não já sido introduzida em águas brasileiras”. Mais recentemente, a Resolução CONAMA n° 413 de 2009, em seu Artigo 3° também apresentou uma definição para “espécie exótica”, inclusive agregando-a ao termo “espécie alóctone”, e assim considerou “espécie alóctone ou exótica” como: “a espécie que não ocorre ou não ocorreu naturalmente na Unidade Geográfica Referencial (UGR) considerada” (BRASIL, 1998; 2009). 

O termo UGR corresponde a área abrangida por uma região hidrográfica ou no caso de águas marinhas e estuarinas, uma faixa de águas litorâneas compreendida entre dois pontos da costa brasileira. De acordo com os Anexos I e II citados no Artigo 1° da Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) n° 32 de 15 de outubro de 2003, existem 12 UGR de águas continentais e duas de águas estuarinas e marinhas no Brasil (BRASIL, 2003b). Desta forma, balizado pela Resolução CONAMA n° 413 de 2009 é mais adequado tratar de espécies exóticas na aquicultura considerando as UGR do que os territórios estaduais, visto que uma UGR pode abranger mais de um Estado.

A Portaria IBAMA n° 145 de 1998, em seu Anexo I considera a tilápia-do Nilo, a carpa comum Cyprinus carpio e a carpa cabeça grande Aristichthys nobilis como espécies exóticas detectadas na área de abrangência da Bacia Amazônica, o Anexo III trata da Bacia do Nordeste e lista as seguintes espécies de peixes como detectadas: tilápia do Nilo, tilápia do Congo Tilapia rendalli, carpa comum, carpa prateada, carpa cabeça grande Hypophthalmyths molitrix e bagre africano Clarias gariepinus. A Portaria IBAMA n° 27 de 27 de maio de 2003, incluiu a tilápia-do-Nilo no Anexo II da Portaria IBAMA n° 145, como detectada na Bacia Araguaia-Tocantins (BRASIL, 1998; 2003b). 

Neste contexto, o mês de dezembro de 2018 representou um marco na regulamentação da produção de tilápia em dois estados da região amazônica, Tocantins e Pará. O primeiro teve publicada a Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA) n⸰ 88 de 5 de dezembro de 2018, que dispõe sobre o licenciamento ambiental da aquicultura no Tocantins, e o segundo publicou a Resolução COEMA n⸰ 143 de 20 de dezembro de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para o cultivo de espécies exóticas no estado do Pará. Porém, os critérios adotados foram distintos e as Unidades da Federação integram a mesma UGR, a Tocantins-Araguaia (PARÁ, 2018; TOCANTINS, 2018).  

No Pará, a Lei n° 6.713 de 25 de janeiro de 2005, que trata da política pesqueira e aquícola, em seu Artigo 29 considera o cultivo de espécies exóticas em sistemas abertos como atividade ilegal. Porém, esta lei e o Decreto n° 2.020 de 24 de janeiro de 2006 que a regulamenta, não caracterizaram o que seriam sistemas abertos, o que só foi realizado 13 anos depois, pela Resolução COEMA n° 143 de 2018. Neste documento, sistema aberto foi definido como aquele “em que o corpo hídrico superficial é diretamente utilizado como local de cultivo”, ou seja, a piscicultura em tanques-rede praticada em açudes, reservatórios hidrelétricos ou rios está contemplada neste sistema e com espécies exóticas trata-se de uma atividade ilegal (PARÁ, 2005; 2006; 2018). 

No estado do Tocantins, a Resolução COEMA n⸰ 88 de 2018 estabeleceu em seu Artigo 15 que a tilápia-do-Nilo é a única espécie exótica permitida para utilização em tanques-rede instalados em reservatórios artificiais de usos múltiplos. Desde que as formas jovens possuam reversão sexual mínima de 98% e que sejam adotadas medidas que evitem a ruptura dos tanques-rede, pela colisão de objetos à deriva ou pela ação de predadores (TOCANTINS, 2018). O maior reservatório de usina hidrelétrica (UHE) nesta Unidade da Federação é o da UHE Luiz Eduardo Magalhães, também conhecido como Lajeado, e já conta com áreas aquícolas produzindo tilápia em tanques-rede. 

E aí? Será que dá para avisar as tilápias que vierem do território do Tocantins que elas não são bem-vindas na parte do rio que banha o Pará? Considerando que os dois estados compartilham a mesma UGR, o rigor da legislação paraense perde o sentido?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. 1998. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Portaria nº 145 de 29 de outubro de 1998. Estabelece normas para a introdução, reintrodução e transferência de peixes, crustáceos, moluscos, e macrófitas aquáticas para fins de aquicultura, excluindo-se as espécies animais ornamentais. Brasília: Diário Oficial da União.

BRASIL. 2003a. Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Resolução nº 32 de 15 de outubro de 2003. Institui a Divisão Hidrográfica Nacional, em regiões hidrográficas. Brasília: Diário Oficial da União.

BRASIL. 2003b. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Portaria nº 27 de 22 de maio de 2003. Altera a redação da Portaria nº 145 de 29 de outubro de 1998. Brasília: Diário Oficial da União.

BRASIL. 2009. Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Resolução nº 413 de 26 de junho de 2009. Estabelece normas e critérios para o licenciamento ambiental da aquicultura, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União.

PARÁ. 2005. Lei nº 6.713 de 25 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a política pesqueira e aquícola no estado do Pará, regulando as atividades de fomento, desenvolvimento e gestão ambiental dos recursos pesqueiros e da aquicultura. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.

PARÁ. 2006. Decreto nº 2.020 de 24 de janeiro de 2006. Regulamenta a Lei nº 6.713 de 25 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a Política Pesqueira e Aquícola no estado do Pará, regulando as atividades de fomento, desenvolvimento e gestão ambiental dos recursos pesqueiros e da aquicultura. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.

PARÁ. 2018. Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA). Resolução nº 143 de 20 de dezembro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para o cultivo de espécies exóticas no estado do Pará. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.

TOCANTINS. 2018. Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA). Resolução nº 88 de 5 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o licenciamento ambiental da aquicultura no estado do Tocantins. Palmas: Diário Oficial do Estado do Tocantins.



 *Engenheiro de Pesca, Doutor em Ciência Animal.
Docente do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Coordenador do Laboratório de Negócios Sustentáveis com Pescado (LABNESP).
E-mail: marcos.brabo@hotmail.com

sábado, 4 de abril de 2020

PROJEÇÃO DE CENÁRIOS PARA A PRODUÇÃO DE PESCADO NO ESTADO DO PARÁ E SUAS PERSPECTIVAS MERCADOLÓGICAS.

Na postagem atual, estou contribuindo com a vaiculação por meio desse espaço "blog" com a produção do Prof. Dr. Marcos Brabo.
PROJEÇÃO DE CENÁRIOS PARA A PRODUÇÃO DE PESCADO NO ESTADO DO PARÁ E SUAS PERSPECTIVAS MERCADOLÓGICAS.
 
                                                             Por Marcos Ferreira Brabo*

A produção mundial de pescado, excluindo as plantas aquáticas, alcançou 172,6 milhões de toneladas em 2017, com a pesca tendo contribuído com 92,5 milhões de toneladas e a aquicultura com 80,1 milhões de toneladas. Em termos monetários, este total representou US$ 383,1 bilhões, cerca de US$ 145,5 bilhões em produtos da pesca e US$ 237,5 bilhões da aquicultura (FAO, 2019).
Neste ano, o Brasil respondeu por 0,6% da oferta de pescado no planeta, com 1,2 milhão de toneladas, 704,1 mil toneladas oriundas da pesca e 564,1 mil toneladas advindas da aquicultura. Considerando os valores médios mundiais, a produção brasileira representou cerca de US$ 2,7 bilhões, 0,7% do montante global, sendo US$ 1,1 bilhão da pesca e US$ 1,6 bilhão da aquicultura (FAO, 2019; SIDRA, 2020).
Ao analisar o comércio internacional verifica-se que as exportações brasileiras foram de 42,4 mil toneladas ou US$ 267,8 milhões e as importações de 402,9 mil toneladas ou US$ 1,3 bilhão, o que denota um déficit de mais de US$ 1 bilhão. Em suma, atualmente, o Brasil participa timidamente da oferta mundial de pescado e importa quase dez vezes mais do que exporta, ou seja, ainda está longe de atender a demanda do mercado interno ou de ser um grande exportador (FAO, 2019; MDIC, 2020).
Neste contexto, o propagado potencial do país para a produção de pescado balizou uma estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) de 1,8 milhão de toneladas para o ano de 2030, sendo um milhão de toneladas provenientes da aquicultura, praticamente o dobro da produção oficial de 2017. Na mesma perspectiva, as importações brasileiras chegarão a 969 mil toneladas, enquanto as exportações alcançarão apenas 51 mil toneladas, obviamente a política cambial do país será decisiva para concretizar esta previsão mercadológica (FAO, 2018).
Agora, a pergunta que não quer calar: como o estado do Pará participará desse mercado? Em estimativas otimistas do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), a produção pesqueira paraense da última década girava em torno de 140 mil toneladas e sua produção aquícola oficial em 2017 foi de 12,2 mil toneladas, o que totaliza um valor aproximado de 150 mil toneladas (MPA, 2013; SIDRA, 2020). O pescado oriundo do extrativismo atende em sua maior parte ao mercado local, mas também é comercializado em outras Unidades da Federação e até exportado, enquanto a produção da aquicultura é consumida localmente em sua totalidade.
Atualmente, outra diferença entre a pesca e a aquicultura no território paraense está na oferta de produtos. O pescado marinho e dulcícola oriundo do extrativismo oferece uma vasta diversidade em feiras livres, mercados públicos, supermercados e peixarias, desde peixe inteiro fresco, passando por peixe seco e salgado, até filé de peixe congelado. Na aquicultura, onde a piscicultura continental respondeu por 99,1% do total produzido no ano de 2017, o peixe inteiro fresco desponta como o único produto (SIDRA, 2020).
Neste cenário, os supermercados e peixarias representam exceções, visto que geralmente ofertam filé de tilápia e, raramente, banda desossada e costela de tambaqui congelados, ambos advindos de outros estados. Ainda assim, em relação ao todo, estes produtos e os importados também disponibilizados nesses espaços, como a polaca do Alasca, o panga e a merluza, representam uma parcela pequena do mercado paraense se comparado ao que é vendido fresco, em especial nas feiras livres e mercados públicos.
O incômodo reside na quantidade de peixes redondos, principalmente tambaqui e tambatinga, que vem do Maranhão, de Rondônia e do Mato Grosso para serem vendidos no território paraense, o que eu estimo entre 10 e 20 mil toneladas por ano com base em suas produções e seus respectivos canais de comercialização. Esta situação representa o mais nítido retrato da fragilidade da cadeia produtiva da piscicultura paraense, comprar de um Estado vizinho exatamente o mesmo produto que é o seu carro-chefe no segmento, tambaqui inteiro fresco, é no mínimo constrangedor.
O Brasil importa salmão, bacalhau e outros peixes mais populares por não ter condições de capturá-los ou produzi-los através da aquicultura, salvo a exceção do panga, que inclusive já é realidade em alguns estados. Para ilustrar com um exemplo, é como se o Brasil importasse filé de tilápia congelado! Pela estimativa da FAO supracitada, as importações crescerão tanto quanto a aquicultura nacional até 2030, mas tenho certeza que não será de tilápia. É uma tendência natural que a expertise brasileira integre cada vez mais nossa pauta de exportação, competindo no mercado global para ofertar aos grandes importadores, como Estados Unidos, Japão, China, Espanha, entre outros.
Diante do exposto e da unanimidade de que a pesca é incapaz de promover um incremento significativo da oferta, venho projetar três cenários possíveis para a produção aquícola no estado do Pará em 2030, com ênfase à piscicultura:
Cenário 1) Nada mudou em relação ao panorama atual! Passamos mais dez anos com um marco regulatório defasado por falta de interesse e visão dos políticos locais, comprando peixe inteiro fresco de pisciculturas do Maranhão, de Rondônia, do Mato Grosso e quem sabe até do Tocantins. Os problemas com licenciamento ambiental e com a outorga de direito de uso dos recursos hídricos continuaram, assim como a incapacidade de acessar as linhas de crédito rural e o elevado custo de produção em relação aos concorrentes.
Cenário 2) A piscicultura paraense seguiu o modelo do estado de Rondônia! Houve mudança no marco regulatório e foi garantida segurança jurídica aos investidores dispostos a criar peixes redondos em viveiros escavados. A produção passou a cerca de 50 mil toneladas, absorvida pelo mercado interno e atendendo a outros estados, o que promoveu um declínio nos maiores produtores, em especial no Maranhão. Este panorama foi ocasionado também pelo fomento à produção de grãos e por incentivos fiscais do Governo do Estado, em especial no tocante ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para aquisição de ingredientes pelas fábricas de ração.
Cenário 3) A piscicultura paraense seguiu o modelo do Mato Grosso e do Tocantins! O salto previsto para a produção de peixes redondos no cenário anterior se concretizou com as medidas acima mencionadas e a tilapicultura permitiu a chegada ao posto de maior produtor nacional. O filé de tilápia congelado aqueceu e ampliou as unidades de beneficiamento, com o produto tendo ganhado o Brasil e o mundo. Algo entre 50 e 100 mil toneladas, só de tilápia, dependendo do uso dos reservatórios de domínio da União.
Fazer previsão é difícil, né? O que você acha? Que cenário gostaria de ver?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The State of World Fisheries and Aquaculture 2018 - Meeting the sustainable development goals. Roma: FAO yearbook. 2018. 250p.
FAO - FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. Fishery and aquaculture statistics 2017. Roma: FAO yearbook. 2019. 108p.
MDIC - MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS. 2020. Disponível em: Acesso em: 03 de abril de 2020.
MPA - MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA. 2013. Boletim estatístico de pesca e aquicultura do Brasil 2011. Brasília: República Federativa do Brasil. 60p.
SIDRA - SISTEMA IBGE DE RECUPERAÇÃO AUTOMÁTICA. 2020. Disponível em: Acesso em: 03 de abril de 2020.




*Engenheiro de Pesca, Doutor em Ciência Animal.
Docente do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Coordenador do Laboratório de Negócios Sustentáveis com Pescado (LABNESP).
E-mail: marcos.brabo@hotmail.com