LEGISLAÇÕES ESTADUAIS COM CRITÉRIOS DISTINTOS PARA A PRODUÇÃO DE TILÁPIA NA REGIÃO HIDROGRÁFICA TOCANTINSARAGUAIA: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS EFEITOS PRÁTICOS.
Por Marcos Ferreira Brabo*
Um
dos maiores tabus quando se trata de aquicultura na Amazônia é a produção de
espécies exóticas e seus possíveis impactos ambientais no caso do
estabelecimento de populações em corpos hídricos do bioma. Neste cenário, a
tilápia-do-Nilo Oreochromis niloticus é sempre o centro das discussões, com os
entusiastas prevendo um cenário econômico extremamente favorável a partir da
combinação das privilegiadas condições naturais da região com as
características zootécnicas e mercadológicas da espécie, enquanto os opositores
temem pelo comprometimento da biodiversidade local e até por uma influência
negativa na pesca, em termos produtivos ou de rentabilidade.
Na
esfera federal, as principais legislações que tratam sobre o assunto são: a Portaria do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) n° 145 de 29 de outubro de 1998, que estabelece normas para introdução, reintrodução e transferência de peixes, crustáceos, moluscos e macrófitas
aquáticas para fins de aquicultura, inclusive com anexos que listam as espécies detectadas por
bacia hidrográfica; a Portaria IBAMA n° 27 de 22 de maio de 2003, que altera a
redação do anexo II da Portaria n° 145 de 1998; e a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) n° 413 de 26 de julho de 2009, que dispõe sobre o
licenciamento ambiental da aquicultura no território brasileiro (BRASIL, 1998; 2003a; 2009).
A Portaria IBAMA n° 145 de 1998, definiu o termo “espécie exótica” em seu Artigo 2° como: “espécie de origem e ocorrência natural somente em águas de outros países, quer tenha ou não já sido introduzida em águas brasileiras”. Mais recentemente, a Resolução CONAMA n° 413 de 2009, em seu Artigo 3° também apresentou uma definição para “espécie exótica”, inclusive agregando-a ao termo “espécie alóctone”, e assim considerou “espécie alóctone ou exótica” como: “a espécie que não ocorre ou não ocorreu naturalmente na Unidade Geográfica Referencial (UGR) considerada” (BRASIL, 1998; 2009).
O
termo UGR corresponde a área abrangida por uma região hidrográfica ou no caso de águas marinhas e estuarinas, uma faixa de águas litorâneas compreendida
entre dois pontos da costa brasileira. De acordo com os Anexos I e II citados no
Artigo 1° da Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) n° 32
de 15 de outubro de 2003, existem 12 UGR de águas continentais e duas de águas
estuarinas e marinhas no Brasil (BRASIL, 2003b). Desta forma, balizado pela
Resolução CONAMA n° 413 de 2009 é mais adequado tratar de espécies exóticas na
aquicultura considerando as UGR do que os territórios estaduais, visto que uma
UGR pode abranger mais de um Estado.
A
Portaria IBAMA n° 145 de 1998, em seu Anexo I considera a tilápia-do Nilo, a
carpa comum Cyprinus carpio e a carpa cabeça grande Aristichthys nobilis como
espécies exóticas detectadas na área de abrangência da Bacia Amazônica, o Anexo
III trata da Bacia do Nordeste e lista as seguintes espécies de peixes como
detectadas: tilápia do Nilo, tilápia do Congo Tilapia rendalli, carpa comum,
carpa prateada, carpa cabeça grande Hypophthalmyths molitrix e bagre africano
Clarias gariepinus. A Portaria IBAMA n° 27 de 27 de maio de 2003, incluiu a
tilápia-do-Nilo no Anexo II da Portaria IBAMA n° 145, como detectada na Bacia
Araguaia-Tocantins (BRASIL, 1998; 2003b).
Neste
contexto, o mês de dezembro de 2018 representou um marco na regulamentação da
produção de tilápia em dois estados da região amazônica, Tocantins e Pará. O
primeiro teve publicada a Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente
(COEMA) n⸰ 88 de 5 de dezembro de 2018, que dispõe
sobre o licenciamento ambiental da aquicultura no Tocantins, e o segundo
publicou a Resolução COEMA n⸰ 143 de 20 de dezembro de 2018, que dispõe
sobre as diretrizes para o cultivo de espécies exóticas no estado do Pará.
Porém, os critérios adotados foram distintos e as Unidades da Federação
integram a mesma UGR, a Tocantins-Araguaia (PARÁ, 2018; TOCANTINS, 2018).
No
Pará, a Lei n° 6.713 de 25 de janeiro de 2005, que trata da política pesqueira
e aquícola, em seu Artigo 29 considera o cultivo de espécies exóticas em
sistemas abertos como atividade ilegal. Porém, esta lei e o Decreto n° 2.020 de
24 de janeiro de 2006 que a regulamenta, não caracterizaram o que seriam sistemas
abertos, o que só foi realizado 13 anos depois, pela Resolução COEMA n° 143 de
2018. Neste documento, sistema aberto foi definido como aquele “em que o corpo
hídrico superficial é diretamente utilizado como local de cultivo”, ou seja, a
piscicultura em tanques-rede praticada em açudes, reservatórios hidrelétricos
ou rios está contemplada neste sistema e com espécies exóticas trata-se de uma
atividade ilegal (PARÁ, 2005; 2006; 2018).
No
estado do Tocantins, a Resolução COEMA n⸰ 88 de 2018 estabeleceu em seu Artigo 15
que a tilápia-do-Nilo é a única espécie exótica permitida para utilização em
tanques-rede instalados em reservatórios artificiais de usos múltiplos. Desde
que as formas jovens possuam reversão sexual mínima de 98% e que sejam adotadas
medidas que evitem a ruptura dos tanques-rede, pela colisão de objetos à deriva
ou pela ação de predadores (TOCANTINS, 2018). O maior reservatório de usina
hidrelétrica (UHE) nesta Unidade da Federação é o da UHE Luiz Eduardo
Magalhães, também conhecido como Lajeado, e já conta com áreas aquícolas
produzindo tilápia em tanques-rede.
E
aí? Será que dá para avisar as tilápias que vierem do território do Tocantins
que elas não são bem-vindas na parte do rio que banha o Pará? Considerando que
os dois estados compartilham a mesma UGR, o rigor da legislação paraense perde
o sentido?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL.
1998. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). Portaria nº 145 de 29 de outubro de 1998. Estabelece normas para a
introdução, reintrodução e transferência de peixes, crustáceos, moluscos, e
macrófitas aquáticas para fins de aquicultura, excluindo-se as espécies animais
ornamentais. Brasília: Diário Oficial da União.
BRASIL. 2003a. Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). Resolução nº 32 de 15 de outubro de 2003. Institui a Divisão Hidrográfica Nacional, em regiões hidrográficas. Brasília: Diário Oficial da União.
BRASIL. 2003b. Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Portaria nº 27 de 22 de maio de 2003. Altera a redação da Portaria nº 145 de 29 de outubro de 1998. Brasília: Diário Oficial da União.
BRASIL. 2009. Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Resolução nº 413 de 26 de junho de 2009. Estabelece normas e critérios para o licenciamento ambiental da aquicultura, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União.
PARÁ. 2005. Lei nº 6.713 de 25 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a política pesqueira e aquícola no estado do Pará, regulando as atividades de fomento, desenvolvimento e gestão ambiental dos recursos pesqueiros e da aquicultura. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.
PARÁ. 2006. Decreto nº 2.020 de 24 de janeiro de 2006. Regulamenta a Lei nº 6.713 de 25 de janeiro de 2005, que dispõe sobre a Política Pesqueira e Aquícola no estado do Pará, regulando as atividades de fomento, desenvolvimento e gestão ambiental dos recursos pesqueiros e da aquicultura. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.
PARÁ. 2018. Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA). Resolução nº 143 de 20 de dezembro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para o cultivo de espécies exóticas no estado do Pará. Belém: Diário Oficial do Estado do Pará.
TOCANTINS. 2018. Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA). Resolução nº 88 de 5 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o licenciamento ambiental da aquicultura no estado do Tocantins. Palmas: Diário Oficial do Estado do Tocantins.
*Engenheiro de Pesca, Doutor em Ciência Animal.
Docente do curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Coordenador do Laboratório de Negócios Sustentáveis com Pescado (LABNESP).
E-mail: marcos.brabo@hotmail.com